Muitas das vezes trabalhamos por trabalhar, não pensando nem nosso presente, nem nosso futuro numa sociedade em constante mudança.
A orientação vocacional dos alunos da escola já é implementada há muito tempo, no entanto numa maioria dos casos é aplicado número reduzido de alunos num determinado escalão etário. Porém, o que a investigação nos demonstra é que cada vez temos que estar mais despertos para a evolução das nossas carreiras e das nossas profissões, decidindo em cada momento quais as mudanças que temos que operar para acompanharmos o mundo em constante transformação.
"Em que consiste o coaching de carreira,
a quem se destina, como pode ajudar alguém, que desafios enfrentam os
trabalhadores quando querem mudar de profissão e o que os leva a querer
fazê-lo? A psicóloga Julia Yates explica. É especialista no tema.
Julia Yates é psicóloga, diretora do mestrado em Psicologia Organizacional
da Universidade de Londres, e tem mais de 20 anos de experiência na área de
coaching de carreira. Foi precisamente sobre coaching de carreira
que falou à CNN Portugal, à margem do Congresso da Ordem dos Psicólogos
Portugueses, onde esteve como oradora.
O que é coaching de carreira e em que é que pode ajudar alguém?
Acho que o primeiro grande benefício é que o cliente está a trabalhar com
alguém que não o conhece e que não tem um interesse pessoal no que esse cliente
acaba por fazer. O trabalho do coach de carreira é ajudá-lo a descobrir o que
ele quer fazer. E ajudá-lo a fazer com que funcione.
Outra coisa importante e útil sobre ir a um destes coaches é que eles sabem
como é que as pessoas fazem escolhas de carreira. Por isso, onde quer que o
cliente esteja “bloqueado” na sua jornada, eles devem fazer algumas perguntas
importantes, ou sugerir alguns exercícios, ou algumas coisas para o cliente ler
e pensar, que o possam ajudar a seguir em frente
É um espaço psicologicamente seguro onde o
cliente pode pensar sobre o que quiser com alguém que entende o que ele está a
passar e como pode seguir em frente.
Como funciona uma sessão de
coaching de carreira?
A maioria dos coaches, a maioria dos bons
coaches, segue um modelo de processo. O GROW model é o mais usado no Reino
Unido. O G significa goal [objetivo], ou seja, estabelecer um objetivo para a
sessão. O R é reality [realidade] e é quando dizemos ao cliente: ‘Conte-me a
sua história até agora, o que nos trouxe até este ponto.’ O O significa options
[opções] e o cliente vê o que pode fazer a seguir para resolver o problema,
reduzindo as opções possíveis. E o W é way forward [caminho a seguir], que é a
fase em que o cliente diz: ‘Isto é o que eu vou fazer, desta forma, e é daquela
maneira que vou saber que fui bem-sucedido.’
Coaching de carreira é só para
quem está “bloqueado” na carreira? Ou alguém que esteja feliz também pode
beneficiar?
Trabalhamos com pessoas que não estão
felizes no trabalho para pensar em maneiras de ficarem onde estão, mas
melhorarem as coisas, ou então irem para outro sítio. Podemos trabalhar com
pessoas no início da carreira, a pensar no primeiro emprego, e também no final,
com pessoas que vão reformar-se e a pensar no que se segue para elas.
Alguém que está feliz no trabalho e procure
apenas algum apoio para ser melhor pode procurar um coach, mas acho que o
mais indicado seria talvez um coach executivo ou de performance, em vez de um
coach de carreira.
Todos os que estão “bloqueados”
beneficiam do coaching de carreira? Ou há pessoas que, pela sua personalidade,
ou outros fatores, não podem ser ajudadas?
Pode haver pessoas cujas barreiras sejam
profundas demais para que o coach de carreira possa ajudar. Alguém com
problemas de saúde mental graves, por exemplo. Se a razão pela qual alguém não
consegue avançar na carreira é porque está a sofrer de depressão profunda, um
coach de carreira não deve ser a primeira pessoa a procurar e sim alguém que
lhe possa proporcionar uma terapia mais profunda.
O coach de carreira tem de ter
esses limites, sobre o que pode ou não fazer…
Exatamente. O coach de carreira precisa
saber o que não pode fazer e o que pode fazer e precisa ser muito explícito,
honesto e transparente sobre essas coisas.
Todos temos um nível de ansiedade e existe
uma coisa chamada ansiedade de carreira porque fazer escolhas de carreira pode
deixar as pessoas bastante stressadas. Se for esse tipo de ansiedade, um coach
de carreira pode ajudar, mas, se for ansiedade clínica, já não.
Ainda assim, esses limites não são tão
claros. Podemos ter uma definição técnica de quando alguém passa de não clínico
para clínico, mas na prática acaba por se tornar um pouco difuso. Por isso,
acho que o coach de carreira precisa de ter muito claro onde estão os seus
limites, mesmo que isso não reflita necessariamente testes clínicos.
Ao longo destes mais de 20 anos
de carreira, houve pessoas que não conseguiu ajudar?
Já encontrei pessoas em que o coaching de
carreira não as deixou com uma espécie de ‘Ah, vi a luz e sei exatamente o que
preciso fazer’. Mas acho que, provavelmente, consegui ajudar a avançar todos os
que escolheram vir ter comigo. Todas as conversas foram positivas, fizeram
alguma coisa, levaram a algum lado. Claro que os clientes são todos muito
educados e dizem: ‘Obrigado, Julia, foi fantástico’. Mas quem sabe o que foram
dizer aos amigos e colegas. Contudo, acredito que, em geral, as conversas
permitiram que as pessoas pensassem de forma diferente ou se sentissem mais
confiantes sobre o que estão a fazer.”
Qual é a importância da
carreira na vida das pessoas?
As carreiras são muito importantes na vida
das pessoas. Tom Rath e Jim Harter fizeram um estudo global, com pessoas de
todo o mundo, para perceber quais os fatores que estão mais associados a
pessoas que são bem-sucedidas na sua vida.
Identificaram cinco pilares: comunidade,
saúde, finanças, relacionamentos e carreira. Todos estes fatores são muito
importantes para as pessoas serem bem-sucedidas na vida, mas a carreira foi a
mais significativa. Eles descobriram que as pessoas que são bem-sucedidas nas
suas carreiras têm duas vezes mais possibilidades de serem bem-sucedidas na
vida.
Acho que o que este estudo mostra é que,
para todos, independentemente do trabalho que façam, a carreira tem um impacto
mais profundo do que apenas o que sentimos no momento. Tem impacto na
identidade, nas relações, nas atividades dos tempos livres, tem um grande
impacto na vida em geral.
Passamos uma grande parte da vida a
trabalhar, se não estivermos felizes, as coisas não vão correr bem em geral.
Nota diferenças no tipo de
receios/problemas dos clientes, quando começou e agora?
Passei
a maior parte da minha carreira a trabalhar com jovens, em escolas ou
universidades. E agora passo grande parte da minha vida com pessoas com vinte e
poucos anos que pensam no que fazer a seguir. E noto um aumento na ansiedade,
problemas de saúde mental.
Não sei dizer se é um aumento considerável
das pessoas que reconhecem isso e se sentem à vontade para falar. Ou se é
realmente um aumento na ansiedade. Acho que pode ser um pouco dos dois. Há mais
ansiedade, mas as pessoas também se sentem um pouco mais confortáveis e
confiantes a falar sobre isso.
Essa é uma área em que eu acho que houve
mudanças, mas também acho que a maneira como os “coaches” de carreira respondem
a isso mudou. Acho que entendemos como a ansiedade é normal e temos maneiras
diferentes de a incorporar no nosso trabalho.
Há muitos mitos ou equívocos
sobre coaching de carreira?
Não é uma profissão regulada. Na verdade,
até mesmo os “coaches” de carreira nem sempre sabem o que são.
Pode haver situações em que alguém vai a um
coach que é muito direto, dá conselhos, diz às pessoas o que fazer, dá-lhes
informações. E depois muda para outro coach de carreira como eu, que lhe diz:
‘Não, não vou lhe dar a informação. Se quiser informações pode ir ao Google. O
que podemos é falar sobre quais as informações que precisa, mas não lhe vou dar
a informação.’
Acho que o que é importante é que haja uma
espécie de contrato inicial em que o coach tem de ser muito claro. ‘Esta é a
minha filosofia, este é o meu estilo de coaching. Se vier ter comigo é isto que
vai ter’. Se houver isso, deverá existir uma correspondência de expectativas.”
Não sendo uma profissão
regulada, quem quiser ser coach pode ser…
Sim. E isso é um problema. Se eu estivesse
à procura de um coach de carreira, a primeira coisa que faria era ver se era
certificado por um órgão profissional. Se alguém é um psicólogo certificado ou
um coach certificado pela Association for Coaching ou pela International Coach
Federation, uma dessas grandes organizações profissionais, sentir-me-ia
confiante de que tem uma formação e treino decentes. Todos os profissionais
certificados por essas organizações têm de seguir um código ético.
O que é um bom coach de
carreiras?
Primeiro digo-lhe o que acho que é um bom
coaching de carreiras. Todas as evidências dizem que é preciso o que chamamos
de aliança de trabalho, que consiste em três coisas. A primeira é ter um
objetivo partilhado, ou seja, ambos concordam com o que estão a tentar
alcançar. A segunda é uma compreensão compartilhada do processo, o que
significa que os dois concordam que sabem como vão chegar lá. E a terceira
coisa, e mais importante, é haver um bom relacionamento.
Em termos do que faz um bom coach de
carreira, acredito que seja sobre o relacionamento. Acho que bons coaches de
carreira estão realmente interessados nos seus clientes, nas suas histórias, no
seu futuro e estão muito presentes no momento. Naquele momento, durante aquela
conversa, todo o seu foco está naquele cliente e o coach como que entra no
mundo dele para descobrir o que vai funcionar para ele.
Ajuda a desbloquear clientes
tímidos ou receosos, por exemplo?
Precisamente. Se tiver um coach de carreira
que seja bom nesse relacionamento, mesmo que o cliente esteja com medo ou
tímido, descobre que pode dizer coisas, pode explorar. O coach ajuda-o a
desembrulhar as ideias e é isso que ajuda a seguir em frente.
Disse que passou a maior parte
da carreira a trabalhar com jovens. Estamos a falar de que idades?
No Reino Unido, o apoio à carreira é
financiado pelo Estado desde os 15, 16 anos. Nessas as idades os jovens já
recebem algumas informações. Depois novamente aos 17, 18 anos, quando começam a
pensar em deixar a escola e depois há novamente um bom apoio financiado na
universidade.
Quando é que devemos começar a
pensar em carreira?
Devíamos começar a pensar em carreiras aos
três anos, mas não estamos preparados para tomar uma boa decisão até aos 20 e
tal.
Há evidências de que até as crianças
realmente pequenas começam a ter algum tipo de ideia sobre empregos e sobre o
mundo do trabalho. E, quando são muito pequenas, não têm necessariamente boas
ideias sobre isso.
Num projeto de pesquisa em que eu estive
envolvida, que trabalhou com crianças de cinco/seis anos, uma das crianças
disse: ‘Eu acho que professores são mulheres, mas diretores são homens.’ Na
escola dela, todos os professores eram mulheres e o diretor era um homem.
Acho que precisamos ter essas conversas
para que possamos dizer, até àquela criança de cinco anos: ‘Como achas que
seria se uma mulher fosse diretora?’ Para tentar dissipar alguns desses
estereótipos.
Acho que podemos ter conversas realmente
úteis quando eles são bem pequenos, fazendo com que entendam o que é o trabalho
da mãe, do pai. Quando estão na rua com eles, no zoo, por exemplo, podem dizer:
‘Está ali um tratador. Como será o trabalho dele?’ Ir levantando ideias.”
Mas também disse que não
estamos prontos para tomar boas decisões antes dos 20 e tal anos…
Esse é que é o desafio, não é? Porque
sabemos pela neurociência cognitiva que a parte do nosso cérebro que toma
decisões complicadas não está totalmente formada até que tenhamos vinte e
poucos anos. E, no entanto, lá estava eu a lidar com jovens de 15 anos a terem
de fazer escolhas.
Então, acho que se trata de começar cedo,
fazer as pessoas pensarem sobre as coisas, mesmo quando são muito pequenas,
mas, de alguma forma, garantir que não se sintam tão comprometidas até que
estejam nos seus vinte e poucos anos.
Adoro a ideia de jovens que saem da
universidade e vão experimentar alguma coisa. E que pensam: “Esta não é a minha
carreira, este não é o meu trabalho para a vida, esta é apenas a primeira coisa
que vou fazer e vou tentar. E depois penso se quero continuar a fazer isto ou
outra coisa.”
Acho que isso aliviaria um pouco da
ansiedade. Parte da ansiedade advém de, aos 21 anos, as pessoas pensarem: ‘Eu
tenho de fazer a escolha com a qual vou ficar preso até me reformar’. Mas não é
verdade. Essa é só uma primeira escolha.
Nota diferenças entre as
dificuldades desta geração e das anteriores?
Provavelmente desafios diferentes, que
surgem de coisas como recessões, por exemplo. Alguém que entra no mercado de
trabalho a meio de uma recessão, tem um desafio específico. No Reino Unido
temos toda uma geração de pessoas cujos pais nunca trabalharam e que elas
próprias nunca trabalharam porque isso coincidiu com duas terríveis recessões
em que o desemprego era realmente alto.
O que estamos a enfrentar agora, com a
pandemia… Há muitas pessoas que começaram um emprego a trabalhar em casa, em
confinamento, e tiveram dificuldades com isso. Temos pessoas a ajustarem-se à
ideia de trabalho híbrido, o que acho que trará desafios próprios. Temos guerra
na Ucrânia... Meu Deus, só de pensar nos jovens ucranianos, e se eles estão ou
não a pensar nas suas carreiras… Eu sinceramente duvido. Dependendo de onde
estamos, há problemas.
Mas a guerra na Ucrânia também está a
contribuir para este enorme aumento do custo de vida, que limita as escolhas
das pessoas.
Os clientes com que trabalha
refletem a conjuntura atual nos seus receios?
Sim, com certeza. Os clientes não costumam
falar sobre as razões das suas dificuldades. Não dizem que é por causa da
guerra da Ucrânia ou o Brexit, mas vejo-os a lutar com as consequências desses
problemas. Não podem comprar casa porque as prestações estão a subir, as taxas
de juro. Nota-se que mostram alguma consciência das circunstâncias, algum medo
do futuro.
As pessoas são sempre mais propensas a
mudanças em tempos de pujança económica. Se estamos numa parte do ciclo em que
as pessoas não veem um futuro positivo, é muito mais provável que permaneçam
onde estão, mesmo que não estejam muito felizes.”
Qual é a principal causa que os
clientes apresentam para quererem uma mudança de carreira?
Há muitas pessoas que querem ter mais
significado e propósito na sua carreira. Acho que é a razão mais comum.
Isso liga-se com o que eu estava a dizer
antes, que as escolhas que fazemos aos 21 anos nem sempre são muito bem
informadas, porque somos muito jovens. As pessoas acabam num emprego e mesmo
que não tencionem ficar lá, às vezes ficam porque talvez tenham sido
promovidas, talvez tenham um certo salário, talvez tenham uma casa para pagar,
filhos. Ficam presas no primeiro emprego, até que chegam a um ponto em que pensam:
‘Eu tenho mais 20, 30, 40 anos de trabalho e não estou feliz. Não é isto que eu
quero para a minha vida.’
Então, tentam encontrar um emprego que lhes
dê um pouco mais de significado, um pouco mais de propósito, e talvez reflita
melhor a pessoa que elas são e a pessoa que querem ser.
E que dificuldades apresentam
na altura de mudar?
Medo do desconhecido, dúvidas sobre se
serão capazes de fazer outra coisa, desafios logísticos… Há pessoas que têm um
certo salário e que têm que desistir desse salário para mudar. E é isso que
alimenta o medo, a dúvida, porque eles pensam: ‘Eu vou fazer esse sacrifício,
esse grande investimento, mas como é que sei que vai resultar? Como é que eu
sei que o próximo trabalho não será tão mau quanto este?’
Há pessoas que começam a estudar em
part-time, enquanto mantêm o emprego, o que eu acho que é uma solução
fantástica. Começam a investir no futuro antes de desistirem do seu velho
futuro.
Um grupo de pessoas com que tenho
trabalhado também são mães que deixaram o emprego antes de terem filhos e agora
querem voltar. E é um grupo em que a autoconfiança é um problema.
É bizarro, não é? Porque as mulheres quando
têm filhos, aprendem muito, desenvolvem novas capacidades. E eu honestamente
acredito que o melhor treino de gestão é estar rodeado por crianças de três
anos. Se conseguir gerir um grupo de crianças de três anos, consegue gerir
qualquer pessoa. Estas capacidades são valorizadas no trabalho, mas as pessoas
não veem que é tendo filhos que as conseguem. E as mães também enfrentam um
dilema enorme entre querer ser a mãe que elas querem ser, mas também querer ser
a pessoa que elas querem ser. E sentem-se terrivelmente culpadas pela ideia de
que querem deixar os filhos para irem trabalhar.
Quais são os fatores que fazem
as pessoas felizes no trabalho?
O fator principal é sentirem que há um propósito. Se conseguir encontrar um emprego que ache que contribui para
um bem maior. Não tem de ser necessariamente enfermagem, ou ensino, ou algo
assim. Algo em que pense: ‘Acho que o mundo é um lugar melhor por eu estar a
fazer este trabalho.’
O segundo fator é variedade.
Encontrar um emprego em que faça muitas coisas diferentes ao longo do dia, do
ano.
O terceiro fator são os colegas. Tem de encontrar um emprego em que trabalhe com pessoas com
quem gosta de estar. Os colegas, o chefe, os clientes… se gostar de passar
tempo com eles, vai gostar do trabalho.
Duas questões para pensar se
estiver a considerar mudar de carreira ou a começar no mercado de trabalho:
A primeira questão é: ‘Se todos os empregos
pagassem o mesmo, qual escolheria?’
A segunda questão é: ‘Se soubesse que não
falharia, que emprego escolheria?’
Uma nota final:
Uma última coisa, e isso é já do meu lado
de psicóloga: Há uma base de evidências que mostra que o coaching funciona.
Deem-lhe uma oportunidade.
Texto retirado de: CNN Portugal"
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